A história raramente perdoa a complacência. Na década de 1980, os Estados Unidos aprenderam uma lição dura: parcerias de curto prazo com homens de convicções violentas podem se transformar em ameaças de longo prazo. Essa lição volta a ser relevante agora, com Ahmed al-Sharaa, ex-comandante militante ligado a redes jihadistas, assumindo o palco mundial como o novo líder da Síria. Sua chegada a Nova York para a Assembleia Geral da ONU está sendo apresentada como uma normalização histórica de Damasco.
Para quem se lembra de como mãos amigas podem se tornar letais depois, isso soa como um alarme urgente.
Al-Sharaa não veio de um clube de debates universitário. Ele subiu nas fileiras jihadistas e liderou forças que, por anos, operaram sob bandeiras ligadas a correntes extremistas transnacionais; esse histórico é o que o torna ao mesmo tempo poderoso e controverso como um possível estadista. Sua transformação rápida de emir de campo de batalha para presidente interino veio acompanhada de uma ofensiva diplomática agressiva: ele busca reconhecimento, dinheiro para reconstrução e a reversão de sanções que ainda prejudicam a economia da Síria. A imagem de ex-militantes pedindo legitimidade internacional e contas bancárias abertas não é apenas constrangedora; é um teste se a comunidade internacional aprende com a história ou a repete.
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Há, claro, uma narrativa que o Ocidente adora contar a si mesmo: que homens podem ser reformados quando a violência dá lugar à governança, e que as estruturas de Estado moderam os impulsos da insurgência. Existem casos em que ex-combatentes se tornaram administradores estáveis. Mas o alerta mais relevante vem do outro lado — das consequências não intencionais da geopolítica dos anos 1980.
O jihad antissoviético ajudou a criar redes e uma cultura de militância transnacional que depois se reconstituíram em movimentos de terror global. Independentemente de os Estados Unidos terem financiado diretamente todos os voluntários que lutaram no Afeganistão, o arco de conveniência em tempo de guerra para catástrofe em tempo de paz está bem documentado e amplamente reconhecido em histórias oficiais da era.
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Para Israel, as apostas não são teóricas. Um Estado sírio que deve suas instituições, milícias ou linhas de patronato a homens que traficaram em redes jihadistas inevitavelmente representará ameaças assimétricas à segurança israelense. Santuários fronteiriços para radicais, corredores clandestinos de armas e a normalização de ideologias extremistas — esses não são conceitos abstratos; são os mecanismos pelos quais ameaças regionais são exportadas.
Quando um líder com o histórico de al-Sharaa busca as aparências de legitimidade, Israel deve equilibrar as sutilezas diplomáticas contra o risco concreto de que a legitimação possa fortalecer e financiar as mesmas redes que ameaçam seus cidadãos.
O aspecto preocupante do momento atual não é apenas o passado de al-Sharaa, mas a rapidez com que a comunidade internacional tem tratado seu governo como um parceiro convencional. Algumas capitais já consideram a desescalada e assistência para reconstrução; outras discutem o restabelecimento de laços formais. Essa sequência — vitória no campo de batalha, governança instantânea e uma corrida internacional para a normalização — é exatamente o que transforma insurgências locais em plataformas para danos transnacionais.
De acordo com o Israel National News, a prudência não exige isolamento perpétuo. Ela demanda condicionalidade, transparência e uma avaliação rigorosa de riscos. Se a ajuda internacional for liberada, deve ir para canais de reconstrução claramente monitorados, não para cofres estatais sem controle que possam ser redirecionados para guerras por procuração ou exportação radical. Reuniões diplomáticas devem vir com passos verificáveis — supervisão independente das forças de segurança, desmantelamento demonstrável de células militantes transnacionais e acesso irrestrito para investigadores internacionais onde houver alegações de crimes de guerra ou ligações com terror.
A alternativa é entregar os instrumentos de Estado a homens cujas lealdades e redes permanecem opacas, e depois se perguntar por que a violência transbordou novamente de um país que havia sido “recuperado”.
Quando americanos e europeus olham para trás, para os anos 1980, muitos admitem agora que a conveniência tática os cegou para riscos de longo prazo. Se o mundo repetir esse padrão com Ahmed al-Sharaa, não será porque a história surpreendeu alguém; será porque os formuladores de políticas escolheram esquecê-la. A verdadeira questão agora é se o Ocidente tratará a história como um aviso ou como uma nota de rodapé. Para Israel e todos os vizinhos que arcariam com o custo de outro erro estratégico, essa questão não pode ser adiada.
Amine Ayoub, fellow no Middle East Forum, é analista de políticas e escritor baseado no Marrocos. Siga-o no X: @amineayoubx