A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) formou maioria de 3 a 0 a favor do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes em uma ação movida contra a revista IstoÉ, a jornalista Tabata Viapiana e o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Octávio Costa. O julgamento, que avalia a reportagem “Negócio suspeito” publicada em dezembro de 2017, teve o voto decisivo do ministro Humberto Martins, juntando-se aos de Daniela Teixeira e Ricardo Villas Bôas Cueva. Faltam os votos de Nancy Andrighi e Paulo Dias de Moura Ribeiro para concluir o caso, mas a maioria já está assegurada.
Organizações de defesa da liberdade de imprensa manifestaram preocupação com o impacto do julgamento, classificando-o como uma “grave ameaça” à imprensa. Associações emitiram notas alertando para o risco de um “precedente de censura judicial” contra jornalistas que atuam de boa-fé e no interesse público, além do uso do sistema judicial por figuras públicas para intimidar a mídia, segundo a revista O Antagonista.
- Humberto Martins, indicado ao STJ por Lula em 2006, é pai de Eduardo Martins, nomeado por Lula ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em 2024. Eduardo foi citado pela Crusoé em 2020 como alvo da Operação E$quema S, desdobramento da Lava Jato, que também envolveu Caio Asfor Rocha, casado com a sobrinha da esposa de Gilmar, Guiomar Mendes. Martins contribuiu com um artigo para o livro em homenagem aos 20 anos de Gilmar no STF, lançado em 2022, e participou do Fórum de Lisboa (conhecido como “Gilmarpalooza”) em 2024, moderando um painel.
- Ricardo Villas Bôas Cueva, indicado por Dilma Rousseff ao STJ em 2011, inicialmente negou o recurso de Gilmar em 2021, por ausência de ofensa à honra ou erro jornalístico, mas mudou sua posição, apontando “excesso de ironia” na reportagem. Ele votou pela condenação dos réus a pagar R$ 150 mil, com juros de 1% ao mês e correção monetária desde a publicação. Cueva participou de quatro edições do Fórum de Lisboa (2018, 2021, 2022 e 2023) e de outros eventos com Gilmar, como o Seminário Regulação e Desenvolvimento em 2023.
- Daniela Teixeira, indicada por Lula ao STJ em 2023, concluiu mestrado em 2020 no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), fundado por Gilmar e gerido por seu filho, Francisco Mendes. Daniela participou do Fórum de Lisboa em 2024, assim como seu orientador, Ney Bello, aliado de Gilmar. Em agosto de 2024, Gilmar elogiou a “brilhante trajetória” de Daniela no X, destacando sua formação no IDP.
Gilmar Mendes perdeu em primeira e segunda instâncias, mas recorreu ao STJ, onde obteve apoio majoritário. A ação contesta a reportagem de 2017 da IstoÉ, que levantou suspeitas sobre negócios ligados ao ministro. Apesar de inicialmente rejeitar o recurso, o relator Villas Bôas Cueva reverteu sua decisão, considerando a ironia excessiva. A condenação solidária dos réus reacende debates sobre o uso do Judiciário para limitar a imprensa.
O julgamento gerou críticas de entidades defensoras da imprensa, que veem na decisão um risco de censura e intimidação. A Crusoé relatou em 2024 que Gilmar suspendeu a ação penal da Operação E$quema S, beneficiando figuras próximas a ele. O caso expõe conexões entre Gilmar e os ministros do STJ, incluindo participações conjuntas em eventos e publicações acadêmicas, levantando questionamentos sobre imparcialidade.
O editorial de O Antagonista, fonte desta notícia, evita ironias para não arriscar punições, mas afirma: “Em um país onde jornalistas são condenados por fiscalizar o poder, a liberdade de imprensa não está apenas ameaçada. Ela já acabou.”