Em meio ao planejamento das eleições presidenciais de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) participou de eventos organizados em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), voltados ao suposto combate à “desinformação” no processo eleitoral. Essas iniciativas ocorreram em abril e dezembro de 2021 e levantam questionamentos sobre possíveis interferências externas na política brasileira.
Em 2021, o TSE e a USAID elaboraram um “Guia de Combate à Desinformação”, descrito como um manual de práticas para ser replicado em outros países. Segundo informações divulgadas no site oficial do Tribunal, o documento se baseava em diretrizes implementadas desde 2020, quando a Corte já promovia medidas para fiscalizar conteúdos digitais, justificadas como forma de preservar a “integridade eleitoral”.
O Brasil tem se destacado no cenário internacional pelo papel ativo do Judiciário na regulação de conteúdos em redes sociais. No entanto, críticos apontam que a atuação do TSE tem levado à censura de vozes conservadoras, sob a alegação de combater “notícias falsas” e conteúdos classificados como “antidemocráticos”.
Outro evento de destaque foi a conferência virtual internacional “Eleições e a Transformação Digital”, realizada em dezembro de 2021, com a presença do então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. A iniciativa foi promovida pelo Consórcio para Eleições e Fortalecimento do Processo Político (CEPPS), um acordo financiado pela USAID que conta com organizações internacionais voltadas para processos eleitorais.
Na ocasião, Barroso afirmou que essas ações tinham o objetivo de combater a propagação de notícias falsas por meio de “esclarecimento, consciência crítica e informação de qualidade”, descartando qualquer intenção de censura nas redes sociais.
A USAID se tornou alvo de investigações internacionais e pode ser reestruturada ou até encerrada pelo governo de Donald Trump. A agência enfrenta acusações de financiar projetos alinhados à agenda progressista em diversos países, supostamente enfraquecendo líderes conservadores e de direita. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmam que esse tipo de atuação prejudicou sua campanha à reeleição em 2022.
Diante dessas suspeitas, Trump determinou a suspensão imediata das atividades da USAID para revisar os projetos financiados pela agência, justificando que bilhões de dólares dos contribuintes americanos estavam sendo desperdiçados.
“A USAID é administrada por radicais lunáticos. Estamos eliminando todos eles e, então, tomaremos uma decisão sobre o futuro da agência”, declarou Trump no domingo (2). A decisão intensificou o debate político nos Estados Unidos e no Brasil.
Na segunda-feira (3), Michael Benz, ex-chefe de informática do Departamento de Estado dos EUA no primeiro governo Trump, afirmou, em entrevista ao programa The War Room, de Steve Bannon, que sem a USAID, “Bolsonaro ainda seria presidente”. Segundo ele, a agência americana desempenhou um papel decisivo nas eleições brasileiras de 2022, financiando iniciativas ligadas ao monitoramento de informações e à restrição de conteúdos favoráveis ao ex-presidente.
Embora não tenha apresentado provas concretas, Benz sugeriu que a USAID pode ter influenciado diretamente ações do TSE. Até o momento, a Corte Eleitoral brasileira não se manifestou sobre essas alegações.
Após as declarações de Benz, a família Bolsonaro e aliados políticos passaram a questionar os investimentos milionários da USAID no Brasil. Parlamentares da oposição ao governo Lula (PT) agora defendem a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os repasses da agência a ONGs e entidades financiadas nos últimos anos.
O foco da investigação incluiria veículos de mídia, plataformas de comunicação independentes e organizações envolvidas em pautas ambientais, direitos LGBT, imigração e aborto.
“As denúncias de Michael Benz sobre a atuação da USAID como ferramenta de influência política e interferência eleitoral são alarmantes e precisam ser investigadas. Transparência e soberania nacional não podem ser negociadas”, declarou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), reforçando a necessidade da CPI.
Os registros do TSE mostram que a relação com a USAID se consolidou em 2021. O primeiro evento oficial ocorreu em abril daquele ano, quando a Corte Eleitoral aderiu a um estudo internacional sobre desinformação, que resultou na criação do Guia de Combate à Desinformação.
Em publicação oficial, o TSE justificou a iniciativa como uma resposta ao “desafio que a desinformação representa para a democracia”, com o objetivo de fortalecer a legitimidade do processo eleitoral.
O material foi apresentado como um modelo global para órgãos governamentais, profissionais e sociedade civil. No entanto, críticos apontam que tais medidas abriram caminho para a censura de conteúdos e interferência no debate público durante o período eleitoral.
Já em dezembro de 2021, o TSE participou do evento “Eleições e a Transformação Digital”, promovido pelo CEPPS e pela USAID. Na ocasião, Barroso defendeu que a regulamentação das plataformas digitais era essencial para impedir a disseminação de informações falsas e garantir a estabilidade democrática.
Nesta semana, em entrevista à CNN americana, Trump voltou a criticar a agência, afirmando que, durante o governo Biden, a USAID direcionou dinheiro a destinatários inapropriados.
“Eles enlouqueceram com o que estavam fazendo e com o dinheiro que estavam distribuindo”, disse Trump, prometendo apresentar um relatório detalhado sobre o tema nos próximos meses.
O bilionário Elon Musk, que atualmente lidera o Departamento de Eficiência Governamental (Doge) na administração Trump, também criticou os financiamentos da USAID. Em sua rede social X, Musk classificou a agência como “politicamente partidária” e um “ninho de vermes”, sugerindo que seu fechamento estaria em andamento com total apoio do governo americano.
Na última semana, o escândalo envolvendo a USAID ganhou novas proporções. Cerca de 60 funcionários de alto escalão da agência foram afastados, acusados de tentarem contornar uma ordem executiva de Trump que suspendia a ajuda externa por 90 dias.
O site oficial da USAID chegou a ser desativado temporariamente e substituído por uma nova página no portal do Departamento de Estado. Além disso, diversos funcionários de nível júnior e contratados também foram desligados.